quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Dia 27/12/2012 - Parece que todo mundo foi para o Uyuni, nós também. (Porque paulistanos gostam de fila?)

Eu estava acordado a bastante tempo, com vontade de fazer um xixi, mas estava quieto para não acordar os demais, o quarto continuava um breu, pois a porta do banheiro estava fechada. Não me lembro como, mas acabamos descobrindo que estávamos quase todos acordados, e quietos, bem, aí acabou o silêncio claro, o Magá já começou a me zoar para variar, pois eu não conseguia sair do beliche, mesmo ele iluminando o quarto com o celular. Eu não desci da cama, caí por cima de um monte de coisas, por sorte não quebrei nada, mas depois disto, ninguém dormia mais. O frio era ainda intenso, e eu voltei as duras penas para meu canto.  Ficamos lá numa falação, pois não adiantava adiantar nada, a aduana e a imigração só começavam a partir das 8 h da manhã.


No final acabamos um a um levantando e começando a reunir as próprias tralhas no meio daquela bagunça e espaço restrito.  Eu fui até a cozinha, não havia ninguém, imaginei que com aquele frio a patinha estivesse congelada, me lembrei da foto da ave congelada próxima ao Cono de Arita, ao sul do Salar de Arizaro no Paso Socompa, que um dia no futuro, vamos fazer.  Então fui lá fora, só para descobrir que ela estava viva e bem, mas eu voltei correndo congelado, nesta época não há neve, pois é verão, mas o vento...

Logo a Maria apareceu e começou a preparar o café, enquanto íamos pouco a pouco arrumando as coisas nas motos, eu começei primeiro, mas isto não quer dizer que terminei primeiro.
Me lembro que tínhamos chá, café, mas o pão não era farto, nem muito bom, e ao contrário da janta anterior o café foi apenas o suficiente, mas eu lembrei que por ali não tinha uma padaria claro!

A senhora apareceu, pois pedi para a Maria para cobrar nossos despesas, estranho, mas não me lembro o nome dela, pois eu perguntei, mas todo mundo lhe chamava de señora.  Ela fez as contas e ficamos surpresos com o valor, pois estadia, janta e café, sairam uns 12 mil pesos chilenos para cada um, o que dava por volta de uns 50 reais, muito barato em termos de Chile.

Vocês já devem ter se perguntado, porque sendo de San Pedro até Uyuni, via Ollague uns 550 km, porque não fizemos em um dia?   Nosso plano original, indo pelo Paso Hito Cajón, era de dormirmos no hotel Tayka, no meio do deserto de Siloli, após a Laguna Colorada. Além de ser um caminho cortando desertos, literalmente, queríamos fotografar cada pedrinha, mas como não aconteceu, devido à greve boliviana e a interdição do paso, resolvemos manter os mesmos dois dias para este trecho, pois haveria além do caminho desconhecido, a saída do Chile, a entrada na Bolívia e depois a procura por lugar no Uyuni. Esta decisão foi acertada, pois, sem stress, fizemos tudo no seu tempo, e usamos os dois dias para isto. 

Me despedi da patinha, lhe avisei para por muitos ovos, pois do contrário ela caberia em uma das panelas grandes lá na cozinha. Saímos pelos fundos, depois de manobrarmos bastante as motos, pois haviam guardado uma pickup lá também Após ajudarmos a senhora a abrir o portão, nos despedimos e seguimos pela areia até a rua da pousada, pois a 500 m em frente pela mesma rua, estão a aduana e imigração chilenas. O sol ainda tímido não aquecia muito, havia uma fila de pickups esperando na aduana, levavam de tudo, ou estavam de mudança ou compraram o Chile para vender na Bolívia... Os fiscais chilenos conversavam, então depois de algum tempo esperando, nos disseram que tínhamos que fazer a imigração primeiro, era um prédio azul uns 100 m à frente, então fomos lá em duplas, alguém tinha que ficar com as motos, pois não podíamos avançar com elas antes da aduana, é mais fácil para quem entra, mais complicado para quem sai. O grande prédio azul para variar é bem estruturado e não foi difícil conseguirmos os carimbos nos passaportes, depois foram o André e o Zeca, enquanto eu e o Magá esperávamos cuidando das motos. Já a aduana fizemos todos juntos, apenas recolheram o papel de entrada, nos perguntaram sobre a bagagem e nos liberaram.


Fila de pickups na saída chilena
Tecnicamente em lugar nenhum, nem dentro do Chile, nem na Bolivia
Posto de Imigração boliviano em Ollague
Não tiramos fotos da aduana, aquela sim, moderna e bem construída
Mas o posto de imigração, singelo
A última estação de trens boliviana, divisa com o chile
Seguindo reto, 2 km adiante está um tímido marco de divisa, depois mais 4 km e chegamos na aduana e imigração bolivianas, nestes 6 km percorridos, não estávamos tecnicamente em lugar algum, pois já havíamos saído do Chile, mas não entrado na Bolivia. Pelo menos não era como no Paso de Sico, onde isto acontece por mais de 50 km.  Do lado direito sentido leste, está o prédio da aduana, novo, bem arrumado, do outro lado das linhas de trem, pois é um pátio de manobras e uma estação, a uns 100 m de distância, estão a imigração, esta sim, tipicamente boliviana, pois é uma pequena portinha que dá para uma salinha minúscula onde dois soldados, atendem. Nós havíamos repetido a estratégia, dois ficaram com as motos e os outros dois foram fazer os trâmites, novamente o Magá e eu primeiro. Um dos militares era um senhor de idade, que nos emprestou uma caneta, pois tínhamos que preencher um formulário, havia bastante gente entrando e saindo do minúsculo espaço. Finalmente carimbou nossos passaportes e então fomos lá avisar o Zeca e o André.  Como as motos estavam paradas bem na frente da aduana, eu e o Magá entramos e pegamos a fila, pois havia uma, há muitos caminhões entrando e saindo ali. Combinamos que um ficava na fila enquanto o outro olhava as motos, isto porque lá fora o sol agora estava ardido.   Quem disse que aquela fila andava?  Lá dentro havia duas pessoas que pegavam os papéis dos caminhoneiros e ficavam com eles, enquanto um senhor de camisa amarela, caminhava para lá e para cá com um ar sério. Claro que era o chefe, pois depois de algum tempo sentou-se e ficou ali olhando o nada e fazendo nada. Quando o André e o Zeca chegaram, o André ficou brabo mesmo, pois as motos estavam lá fora, mas não adiantou lhe explicar que nos revesávamos olhando dali de dentro. 


À direita a imigração, à esquerda (fora da foto) a Aduana, um prédio novo
Havia uma mulher jovem, de feições ameríndias, que entrava e saia o tempo todo, ia lá fora, depois entrava lá nas salas, falava com um, depois com outro, e pelo jeito ela ajudava alguém com a documentação sem pegar a fila. Enquanto isto, os demais esperavam e esperavam, já estávamos ficando de saco cheio.  Depois que a jovem foi embora pilotando um quadriciclo azul, a fila andou, e me lembro que novamente o fiscal não achava os dados da minha moto no documento, então lhe expliquei que era Suzuki e a côr "morado" (que é rôxo em espanhol, pois eu já havia aprendido isto lá em Desaguadero).  Esta brincadeira toda demorou, pois tanto Ollague como ali, que se chama Estação Alvaroa, são estações de trem e passagem tanto de passageiros como de carga, seja de trem ou caminhão, portanto gastamos umas duas horas entre a saída chilena e entrada boliviana.


O Vulcão Ollague ficando para trás
Lá na frente o Cañapa, atrás dele a Laguna Hedionda


Agora sim, passando pertinho dele
Da estação Alvaroa até o encontro com a ruta 701 são 52 km, porém estes 52 km são pela ruta "nenhuma", que apesar de ser uma caminho consolidado não consta em lugar algum, já a ruta 701 que consta nos mapas e GPS, vem timidamente pelas areias e quase nem se percebe a mesma vindo da laguna Hedionda pela direita.  A partir dai, em teoria, a ruta que seguíamos desde Alvaroa, vira a 701, dali são mais 25 km ate Villa Allota.  Este trecho pela ruta "nenhuma", é lindo, pois passa entre o triângulo formado pelos vulcões Ollague, Tomasamil e Canãpa, ou seja, estávamos descendo por trás do vulcão que víamos la do Salar de Ascotan, agora mais ao leste em território boliviano.  Bem entre o Tomasamil e o Canãpa, a estrada chega a 4250 m de altitude, o visual é lindo, e há uma pequena laguna distante da ruta, que se chama Turquiri, nós não fomos lá, o que foi uma pena, pois existem incríveis formações rochosas por lá. Bem, nosso objetivo era Uyuni, e a 4200 m de altitude não tem muito ânimo mesmo, mas eu parei e tirei uma foto à distância.



O Tomasamil
A pequena Turquiri
O Cañapa ficou para trás também

A Turquiri vista de longe
Foto do Zeca
O rípio se alternava entre um chão firme e trechos arenosos, não eram muitos, um pouco mais à frente a ruta passou por um trecho com curvas e lindas formações rochosas marrons, se chama Valle de las Rocas, depois deste a paisagem se abre no horizonte, pois começa uma descida, ali eu estava tenso, escorregando bastante, por isto fiquei bem para trás. O Zeca e o André sumiram lá na frente levantando poeira, eu mantive uma certa distância do Magá, justamente porque a poeira encobria a visão da estrada. Depois de uma descida em "S" lá embaixo via-se uma enorme reta, onde iam longe o Zeca e o André, o Magá seguia uns 500 m à minha frente, quando o ví parar e sair à direita perpendicular a ruta, porém me esperou. Quando cheguei ele mostrou um lago cheio de flamingos e lhamas, dava fácil para ir até lá, pois havia uma vegetação rasteira e o solo era bem firme. Nós sinalizamos para o André e o Zeca que haviam parado para nos esperar. Então fomos com as motos bem devagar, para o lado direito, depois desligamos os motores e fomos deixamos as motos longe para não espantarmos os flamingos, sinalizamos para o Zeca e o André fazerem o mesmo.  Munidos das máquinas fotográficas, fomos lentamente até bem próximo da margem, porém ficamos de olho nas lhamas, pois elas também estavam de olho em nós, desde a ruta 40, perdemos a confiança nelas, sabe? Fotografávamos mas a qualquer movimento suspeito delas, recuávamos, mas conseguimos lindas fotos dos flamingos, das lhamas e de duas grandes aves de rapina, que nos olhavam desconfiadas, mas não voaram. O André foi mais longe e fez barulho para que os flamingos voassem, como havia feito lá no Salar de Ascotan.


Este é o lugar!
Paramos as motos longe
O André já se armou com a super câmera

O Zeca e o André
O André fez barulho para que eles voassem
Olha a imensidão à volta
Ops! Lhamas de olho em nós
Lá longe as paredes rochosas que tem uns 100 m de altura
Cabrón!  Você olha pra lá que eu cuido pra cá!
Olha a foto que o Magá compôs!
Ah não esquenta não são uns boludos
Flamingos rosa
Lhamas pastando
E aves de rapina
Ah neste dia tinha motos também
Eles decolaram, e deram uma volta no céu  apenas
Que foto!  (Foto Zeca)
Voltando para o pouso


A super câmera do André em ação




Zeca! tem uma lhama de olho em você!


Eu e o Magá
À volta tudo seco
Este lugar chama-se Bañados de Alota (foto Zeca)
O lugar era lindo, tanto que acabamos neste dia, praticamente só tirando fotos deste lugar. Depois do nosso deleite visual, voltamos para a ruta e uns 3 km adiante chegamos a Villa Alota, que fica na margem direita de quem vai para o leste. Saímos da ruta por um acesso em diagonal e entramos na pequena vila que tem como rua principal uma avenida, por assim dizer, com um canteiro no meio onde estão umas colunas de cimento espaçadas entre si por uns 30 metros, seriam simulações de árvores. Esta "avenida" tem uns 500 m de comprimento, ou mais, e já sai da cidade, passando por um portal de pedras, como o que havia do outro lado na entrada. Como não vimos nada que nos atraísse, pois estávamos era mesmo com fome, acabamos saindo pelo outro lado e voltando a ruta, tocamos em frente. Aí só retões de cascalho e areia, por uns 20 km, eu não me lembro porque, mas saímos à esquerda da ruta e passamos ao lado de umas casas perdidas no nada, acho que era a fome, depois voltamos para a ruta 701 que vinha pela direita.


O portal de entrada de Villa Alota
A rua principal, com suas árvores de cimento no canteiro central
Novamente uma reta só, eu parei para arrumar minha água que estava caindo, os três seguiram acelerando, acelerando tanto que sumiram no horizonte, acho que queriam alcançar uma pequena moto que ia longe lá na frente, foi aí que eu vi um veículo vindo também longe, mas lá atrás, com os faróis acesos. De repente eu não me senti confortável, ali sozinho, então montei na moto e acelerei para alcançá-los, só que eu não os alcançava, mas era alcançado pelo veículo que vinha lá atrás. Bem, 80, 100, e finalmente 120 km/h! Isto eu ia nesta velocidade, bem no centro da pista, pois dos lados era um baixadão de areia, além do que as margens da ruta tinham muita areia solta, mesmos assim a pickup, pois agora dava para ver pelo retrovisor, se aproximava, enquanto a Suzi dava tudo o que podia naquela altitude, o que me deixou até espantado, mas a pickup encostou em mim. Quando eu estava a uns 500 m atrás deles, que acho haviam diminuído, eu também tirei a mão, mas a pickup não podia passar, pois ele também não arriscava tirar uma roda para qualquer lado da estrada, também andava bem no meio. Cheguei neles e andamos a uns 80 km /h algum tempo, até que eu sinalizei para eles e encostei para a direita enquanto baixava bem a velocidade. Assim, a pickup, que era vermelha e de mineradora, foi bem para a esquerda e com cuidado nos passou, mas mal acabou de passar e voltou para o meio da pista acelerando tudo. Claro que levantou uma poeira absurda, mas logo sumiu, o cara devia andar a uns 140 km/h naqueles retões de chão batido.

Depois que a pickup se foi, uns poucos quilômetros à frente, a estrada sobe um pouco, contornando uma elevação à esquerda, no GPS havia a indicação de que havia uma laguna atrás desta elevação, o André também viu isto, mas da estrada não se via nada, apenas um paredão lá muito longe. É que ao entrarmos na ruta 701, havia uma indicação para a Laguna Hedionda, o André cogitou ir até lá, depois de algumas opiniões aqui e ali, pois havíamos recebido a informação lá em San Pedro, de que esta laguna não era grande coisa, mas, mais devido ao fato de termos fotografado os flamingos ali perto de Villa Alota, foi que o André desistiu. Porém passando por ali, onde o GPS, que na Bolivia pouco indica, indicava uma laguna, ficamos pensando, mas como não vimos nenhum acesso, acabamos seguindo em frente. Esta laguna chama-se Culpina, o paredão que víamos da estrada é o dique, pois a mesma foi represada, mas o acesso a ela fica muitos quilômetros à frente, já chegando a San Cristobal, dali ha um caminho que volta pela esquerda.

Acabamos esquecendo da laguna, também porque uns 5 km adiante, não se vê mais nada à esquerda, porque é o morro que rodeia o povodado Lito, onde entramos. Lito é menor que Villa Alota, mas encontramos um mercadinho na rua principal, então sob um sol muito quente, paramos as motos em frente.  O mercadinho tinha pão, e também alguns enlatados que compramos, como patê e se não me engano, atum em lata, que acompanhado de algo para beber, foi o nosso almoço.  A dona do local era jovem, nos emprestou faca e um abridor de latas, mas como não havia um balcão, encostamos no parapeito de uma janela do lado de fora, à sombra próxima a porta.  Eu comi pouco, pois não sou fã de Atum, me lembro que duas coisas que me preocupavam muito, uma era o quanto faltava para San Cristobal, pois eu não tinha mais gasolina reserva, tinha colocado tudo no tanque em Ollague, e a outra era uma vontade louca de fazer um xixi, o que foi resolvido atrás de um muro de uma construção na rua ao lado, o que não sabíamos era que San Cristobal estava bem perto.  Bem em frentre ao mercadinho, no sentido noroeste, está uma trilha em zig-zag subindo o morro ao lado do povoado, há algo escrito no morro, com pedras, mas não dá para entender dali, eu já havia visto fotos deste morro na internet, alguém que passou por aqui postou.


A praça do Povoado Lito (foto Zeca)
Bem em frente o mercadinho, estávamos almoçando pão e patê (foto Zeca)
A rua lateral do mercadinho (foto Zeca)
Uns 15 km depois de Lito, chegamos a um entroncamento, onde à esquerda há um acesso a mina San Cristobal,e também o acesso à laguna Culpina, aquela que ficou para trás. No lado direito da ruta 701, há um galpão, que na realidade é um hangar, pois perpendicular à ruta, estende-se uma pista de pouso em terra batida, que serve à mina de prata que fica atrás da cidade. Após uma curva está a cidade de San Cristobal, mas nem se precisa entrar lá, pois bem na beirada da ruta, há um posto de gasolina que se chama "Los Tres Gigantes". O posto tem uma cobertura que provê uma sombra, mas para variar tem movimento, após alguns carros abastecerem conseguimos encostar as motos nas bombas. Muito bem, como tínhamos dinheiro boliviano, trocado lá em San Pedro, não tivemos problemas para comer um pouco em Lito, nem para abastecer agora em San Cristobal.  Uma coisa da qual já sabíamos, era que na Bolivia o preço dos combustíveis é diferenciado para turistas, mais caro claro, isto porque o governo subsidia de 80 a 90% do valor dos combustíveis, então o subsídio não se aplica aos turistas, o que eu acho certo, ainda porque mesmo assim, é mais barato que no Brasil. O problema foi que na hora de pagar, o Magá espanou, pois eles pegam o valor da bomba, vão lá dentro, fazem uma conta e voltam com o valor a ser pago que é um pouco mais que o dobro do valor indicado. O Magá ficou muito nervoso, mas nós lhe dissemos que ele já sabia, já havíamos lhe avisado, mesmo assim ele xingou muito, mas como lhe dissemos, na Bolívia é assim, se não concorda não venha, ponto.  Uma coisa interessante, foi que logo na saída de San Cristobal, e depois mais a frente em outros lugares, havia umas plantações, eram pequenos arbustos de folhas bem verdes e eram irrigadas, além de haver cercas de arame em torno das plantações. O André garantiu que eram pés de Coca, fez questão de fotografar, como eu não conheço a planta, não posso confirmar, porém vale lembrar que no Perú e nos Andes argentinos, encontra-se muito fácil, folhas de coca para mascar e fazer chá.  Ali no sul da Bolivia, sempre ouvi falar que o pessoal que trabalha nas minas, masca folhas o dia todo, caso contrário, não aguentam o tranco do trabalho na altitude. Porém aquelas plantações eram em um lugar movimentado (em termos de altiplano) e bem à beira da ruta, mas se via que eram muito bem cuidadas.  Eu achei estranho, pois na transição dos Andes para o Chaco, lá mais ao norte, existem os postos de controle anti-drogas, inclusive naquele da ruta 7, onde eu tinha umas folhas secas de coca que ganhei no Perú para mascar e esqueci no bolso de fora do alforge em 2010, apesar da revista nem o soldado nem eu as vimos, só fui encontrá-las ali, uns dias depois... Por pouco escapei de estar preso na Bolivia até hoje né.


O André jura que isto ai é plantação de coca
Eram bem cuidadas, com cerca e tudo mais

Isto à direita de San Cristobal sentido nordeste
A cidade fica às costas de quem tirou a foto
Eu agora estava tranquilo, pois tinha resolvido meus dois problemas, o do xixi, que aliás fiz de novo ali no posto, e do combustível, pois agora tinha para ir além da cidade do Uyuni. A pena foi que não entramos em San Cristobal, mas provavelmente não perdemos nada com isto.  A ruta 701 continua em imensos retões, com alguns trechos arenosos em pequenas curvas, foi num destes retões que passamos por um Mitsubishi Pajero puxando uma pickup que havia capotado, iam devagar, quer dizer, a pickup capotada agora ia devagar, guinchada, era mais uma das tantas destruídas que já havíamos visto, e aprendemos bem o porque isto acontece quando aquela lá atrás nos ultrapassou e voou!

Cruzamos uma ponte de concreto pequena, sobre um rio seco, mais adiante reduzimos a velocidade pois a ruta passa dentro do povoado de Villa Grande, que na realidade são umas propriedades espalhadas dos dois lados da estrada.  Depois dali, retas e mais retas, até que mais ou menos na metade do caminho entre San Cristobal e a cidade do Uyuni, há um salar por onde a ruta cruza no meio, porém continua como foi até então, um chão batido, um pouco elevado em relação às laterais, mas havia um ponto onde a estrada se nivelava com o lado esquerdo, onde haviam umas saídas.  Eu não sei quem provocou quem, se foi o Zeca ou o André, mas de repente o André saiu à esquerda e foi rasgando pelo salar, que ali era de um marrom esbranquiçado, ele foi longe acelerando até que ao tentar voltar caiu, só que o Zeca já tinha entrado também e foi na mesma direção, como o Magá estava com a GoPro no capacete, porém virada para trás, nós paramos na ruta e ficamos filmando, o Magá de costas para cena e eu lhe guiando para onde apontar a câmera.

O Zeca quando sentiu o piso úmido, foi fazer uma curva para esquerda e, quando a moto começou a sair de frente ele acelerou!  Foi lindo o rastro que a roda traseira levantou, pois a F800 com 85 CV de potência faz o que se pede dela.  O Zeca fez um grande arco e acabou caindo, mas tanto ele como o André, estavam longe, muito longe, dai eu e o Magá ficamos só olhando, pois eram uns 200 m ou mais até onde estavam e a 4000 m de altitude, esquece, não dá para sair correndo ainda mais em um chão úmido e escorregadio. Então ficamos lá mesmo, filmando e rindo da cena, primeiro o André conseguiu levantar a DR, aí foi com cuidado até onde o Zeca estava, deu trabalho para os dois levantarem a F-800, pois além de mais pesada, o André já estava sem fôlego, enquanto isto eu e o Magá ríamos muito e brincávamos, e aí você vai lá?  Não, não, nem a pau Juvenal !


Olha o rastro!  Foi lindo!  Pena que o Magá não me deu a filmagem
Mas o Zeca esta bem, o problema é levantar a moto a 4000 m de altitude
Depois de levantar a F-800, eles ficaram um tempo parados lá, recobrando o fôlego, enquanto isto passavam vários veículos pela ruta, inclusive passou uma F-800 preta, com placa da União européia, nela havia apenas um baú lateral, no lado direito, o piloto vinha entre dois veículos 4x4, acho que eram Land Rover, que carregavam muita coisa nos tetos.

O Zeca subiu na moto e veio em linha reta, até que sentiu o chão seco de areia, aí ele pegou um acesso e acelerou, só que havia uma pequena elevação com uma valeta e ele com a mão cheia deu contudo na lateral da estrada, de longe foi feio, então falei para o Magá, lascou! Vamos lá!  Subimos nas motos e fomos rápido até onde o Zeca havia caído, mas felizmente ele estava bem, não se machucou, e por incrível que pareça, nem a moto, pois apenas quebrou um espelho e o suporte do paralamas dianteiro. O André já havia chegado ao local antes de nós, claro que ele fotografou a cena, uma vez que o Zeca estava em pé ao lado da moto.

Ainda bem que o Zeca não se machucou, pois ali não é lugar para brincadeiras, estávamos ainda a uns 50 km de distância de Uyuni, se alguém se quebra, iria sofrer muito até receber os devidos cuidados.



O Zeca acelerou na ondulação lá atrás
Eu e o Magá chegando, pois estávamos longe dali
Depois deste evento, não sei porque, todo mundo foi bem mais devagar neste longo e reto trecho até a cidade do Uyuni. Chegamos lá pelo meio da tarde, e para quem vem do sul, há um pequeno posto de gasolina bem na entrada, havia uma menina e um rapaz lá sentados, mas quando entramos nos disseram que não tinha combustível, ops!  Porém nos disseram que havia outro posto no lado norte da cidade e nos indicaram ir por fora à direita, o que fizemos por umas ruas sujas.

Nossa, como há lixo espalhado nas areias, até que saímos, depois de uma erradas, lá do outro lado onde de fato havia um grande posto de gasolina, porém grande também era a fila. A fila dupla, se estendia por uns 200 metros, então lá fomos nós para o fim dela, pois como explicamos aos demais, se tem fila tem combustível, então é melhor resolver isto já, depois iriamos procurar onde ficarmos, mas gasolina é ouro para quem está naquelas paragens.

O sol estava muito forte, mas ficamos lá, resignados, seguindo lentamente o rítimo daquela fila, logo atrás de nós a fila já ia muito longe, foi aí que apareceu um sujeito com uma Honda Transalp verde, era brasileiro, era também meu patrício (é como se chama de conterrâneo lá no Rio Grande do Sul), mas nós não gostamos do jeito dele, pois ao invés de primeiro perguntar se poderia encostar ali (furando a fila claro), parou ao lado e começou a puxar conversa, enquanto ia contando histórias ou estórias, sei lá, foi entrando na fila no meio de nós.  Disse que vinha lá de Santa Cruz  e havia subido a ruta 4 até Sucre e Potosi, Este seria o nosso caminho de volta nos planos originais da Rutas y Quebradas II, mas foram modificados porque o pessoal não sentiu segurança em percorrer aquele trecho. Mas ao contrário dos maus relatos, o cabra nos contou que foi tudo bem, teve muita ajuda, inclusive para atravessar rios, pois chovia muito no lado leste andino. Como ele era falador, contou muita coisa, mas pelo que entendemos, estava indo meio à esmo, dizia que estava adorando viajar sozinho.
Nós ficamos 1 hora nesta fila sob o sol ardente, mas não precisávamos...
Foi aí que lhe perguntei como a moto dele estava tão limpa?  Pois estava reluzente, até os pneus estavam limpos. Ele disse que havia lavado lá em Potosi, mas aí eu perguntei como não sujou de lá até o Uyuni, foi então que ele disse que haviam recém inaugurado o asfalto entre as duas cidades, aí apontou na direção nordeste, lá para trás do posto, onde de fato, via-se muito longe, uma faixa preta reta indo em direção às montanhas. Informação valiosa, agora tem asfalto entre Uyuni e Potosi!

Outra coisa que ele nos disse era que já havia rodado a cidade do Uyuni todinha e não havia vagas nos hotéis, por isto iria abastecer, pois iria subir para Oruro. Fiquei quieto, mas pensei, é doido!  Oruro está a mais de 200 km rumo norte em direção à La Paz, vai viajar à noite em estradas de rípio e areia?

Quando finalmente estávamos a uns 50 metros do posto, um funcionário de lá, fez sinal para nós irmos pela esquerda até as bombas, nos olhamos sem entender, pois ele nos chamava para furar a fila, mas como ele insistia, fomos lá. Foi aí que descobrimos que motos não precisam esperar na fila, só que ficamos sabendo disto após uma hora de espera sob o sol aredente...  Não expliquei ao rapaz do posto, que éramos de São Paulo, ele não iria entender!

Novamente tínhamos que encher os tanques e tudo mais onde coubesse gasolina, pois depois dali, tínhamos por cálculo, uns 250 km sem abastecimento.  Novamente como me arrependi de não ter levado os alforges, pois tive que desmontar a minha bagagem toda, para encher minhas garrafas PET.  Claro que fui o último a estar pronto, então nos despedimos do cabra da Transalp, achando que ele iria para Oruro.


Enquanto arrumo minha bagagem, eles conversam, olha a fila interminável!
Entramos na cidade pela Av. Potosi e já vimos um hotel, mas nada de vaga, mais adiante outro e nada, ficamos preocupados, então paramos à sombra na Plaza de Juegos e combinamos o seguinte, iríamos nos espalhar, cada um iria por uma rua, depois todos nós voltaríamos até aquele ponto para esperar os demais, assim quem achasse algo levaria o grupo todo até lá.  Eu virei a esquerda  uns 50 m adiante vi um prédio marrom à esquerda novamente. Era um hotel, uma construção nova, de tijolos à vista e bem acabada para os padrões bolivianos, mas não havia ninguém, então toquei a campainha e um senhor de meia idade veio atender, disse que tinha vagas sim. Também disse que tinha estacionamento e falou o preço, acho que eram 90 bolivianos por dia, com café incluso, lhe disse para segurar 4 vagas, pois iria buscar meus amigos.

Agradeci meus Anjos da Guarda, pois o que parecia ser um enorme problema, se resolveu na primeira esquina e em questão de minutos. Quando voltei ao ponto de encontro, não precisei esperar muito, logo estávamos todos lá incluindo o cara da Transalp, que havia no seguido até lá.  O prédio do hotel tem 3 andares, é bem arrumado e estranhamente estava vazio.  Nós então escolhemos os quartos do térreo, pois assim era fácil levarmos as bagagens, então eu escolhi o último lá do fundo, era o número 6. Os demais ficaram com os outros mais próximos, pois por aquele preço, valia a pena cada um ficar com um quarto, o gaúcho ficou com número 1, lá na frente.

Depois que descarregamos as motos, fomos com elas até o centro, só para descobrirmos que era muito perto do hotel, mas era ruim de estacionar, como conseguimos para as motos entre alguns carros, achamos logo uma casa de câmbio, pois nosso dinheiro boliviano era pouco.  Ali é a Av. Potosi com a praça Arce, onde há um relógio em uma torre, a praça Arce é o "point" da cidade do Uyuni, lá estão os restaurantes, lojas e as agências de turismo. Fomos então procurar os passeios para o Salar, mas vale lembrar que estávamos nos últimos dias de 2012, portanto a turistada toda, incluindo nós, estava lá. Não encontramos na primeira agência, nem na segunda, mas nos indicaram uma terceira, que ficava, na mesma avenida do hotel, ou seja o lado oposto da praça dava para a mesma rua do hotel que distava uns 300 metros dali.


O mecânico na Av. Ferroviária, que passa atrás da praça Arce
A praça Arce
O relógio que fica entre a Praça Arce e a Catedral
Mais um detalhe da praça Arce
Os veículos 4x4 que vão para o salar, levam até 7 pessoas, mas com 5 já fazem a viagem, porém nós teríamos que esperar mais uma pessoa para fechar o carro, então fizemos as contas e o valor dos 5 ocupantes dava 900 bolivianos, que divido por nós 4 eram 225 bolivianos para cada um.  Não tivemos dúvidas, propomos fechar um carro só para nós, pagaríamos o valor por 5 ocupantes. A menina da agência topou e tratou de ligar para alguém reservando o carro. Nos disse que partiria dali da frente da agência, às 10 h da manhã no dia seguinte e que era obrigatório cada um de nós ter óculos de sol, pois sem isto não embarcava.  Devido à brancura do salar, o sol refletido queima as vistas de quem fica lá por horas sem proteção, então para evitar problemas, eles exigem os óculos. 

Enquanto o André procurava por um par de óculos escuros, que não me lembro se achou ou não, eu fiquei esperando ao lado da moto. A impressão que se tem é que o mundo todo está lá, mochileiros mil andando para lá e para cá, foi aí que uma menina parou ao meu lado e em espanhol me disse que conhecia o Brasil, acho que ela viu a placa da moto, me perguntou se eu sabia se era possível alugar uma moto ali no Uyuni, pois ela gostava de motos.  Neste ínterim o André já tinha voltado e eu disse para a menina que não sabia, mas torcia para que ela achasse alguma, lhe disse que precisava e ir e lhe desejei um feliz 2013. Quando o Zeca e o Magá chegaram, o André começou a me alugar, dizendo para eles que eu tinha dado a maior dispensa na menina que queria andar de moto comigo...  Decidimos então voltar ao hotel, guardarmos as motos e depois voltarmos à pé para jantarmos, pois era muito perto.

O senhor, que era o dono do hotel, era bem acelerado, falava rápido, nos levou até o estacionamento, que não era junto do hotel, pois o dali estava ocupado com uma grande pickup, sendo o outro estacionamento um terreno murado do outro lado da rua, uns 50 metros à frente. Lá havia vários carros, nós deixamos as motos nos fundos em um lugar coberto, bem como toda a nossa gasolina extra, pois ele garantiu que ninguém mexeria em nada.

Este hotel, cujo nome, infelizmente não me lembro, começava com "A" e era algum nome indígena boliviano, mas ninguém de nós lembrou-se de fotografar a frente do mesmo. Bem, ele fica na Avenida Ferroviária, que é larga, tem duas vias, pois no meio ha um canteiro  onde existem várias esculturas e máquinas, sendo uma delas uma pequena locomotiva à vapor que fica próxima a entrada do estacionamento. Não há árvores, é tudo seco e, apesar do calçamento, tem poeira e areia pra todo lado, apenas a praça central, a Arce, tem árvores e flores, pois é irrigada.

Foi um tempão até que todos estivessem prontos, de banho tomado, o que o gaúcho já tinha feito, pois estava sentado à porta do hotel com um notebook no colo e uma garrafa de água quente ao seu lado, tomando um mate. Me lembro que naquele dia, fomos diversas vezes pela Av. Ferroviária até a praça e voltamos, pois havia um locutório (posto telefônico) ao lado da igrejinha, depois fomos lá fazer mais câmbio, fomos jantar, fomos procurar sorvete, a noite já ia alta, e o frio também, quando finalmente nos recolhemos, pois no dia seguinte ninguém precisava levantar cedo, arrumar bagagem, nada, seriam só passeio e descanso.

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