sábado, 29 de dezembro de 2012

Dia 29/12/2012 - Uma bela e bruta despedida da Bolívia. (Mas cadê o túnel?)

Não vou me estender explicando a nossa saída, mas como estávamos com as motos abastecidas, foi só trazê-las do estacionamento, para a frente do hotel, só que fazia um frio, pois o sol estava meio preguiçoso. Como eu ia demorar mesmo, já fui buscar a Suzi, o André foi também, e depois tivemos que voltar lá para pegarmos o combustível.  Eu fiz o que pude para amarrar minha bagagem, paguei o hotel e fomos tomar o café. Não me lembro a que horas saímos, mas me lembro que apesar do sol, fazia frio ainda, e seguimos para o mesmo lugar por onde havíamos chegado àquela cidade, isto porque a ruta 21 que seguiríamos, chegava na cidade no mesmo ponto em que a ruta 701 chegava. Assim, passamos pelo pequeno posto de gasolina fechado e depois de um pouco de dúvida seguimos a ruta, onde havia uma placa indicando Atocha.



O início da ruta 21 sentido sudeste, isto mesmo, seguíamos na direção do extremo nordeste da Argentina, é uma enorme reta de cascalho solto e corre paralela a linha do trem. Uns 5 km a ruta cruza a linha férrea e começam os areiões, que não eram os piores, iríamos descobrir isto depois. Ali é um planalto seco, não há nada em qualquer direção que se olhe, apenas a faixa de cascalho que seguíamos, criava um evento naquela paisagem. Claro que havia calaminas, pois há trânsito de veículos, aliás cruzamos com alguns 4x4 indo sentido Uyuni, os veículos são visíveis ao longe, pois mesmo que não estejam com os faróis acessos, a nuvem de poeira que levantam, os denunciam. Eu comecei a sofrer, pois meu punho direito começou a doer, minha velha tendinite resolveu se manifestar bem ali, mas havia um motivo, eu ia o tempo todo lutando com o guidão da moto, tentando não sair do trilho e não cair, que chão instável! O Zeca e o André começaram a abrir, pois usavam a técnica de acelerar para se equilibrar. O Magá, pelo jeito sofria como eu, mas íamos nos virando. O início da ruta cruza um pequeno salar, depois começam a aparecer algumas pequenas elevações aqui e ali, e alguma esparsa vegetação de deserto. Em uma reta, havia lhamas nos dois lados da pista, porém havia duas que estavam na pista, quer dizer, na beirada da pista, uma fêmea deitou no barranco da lateral da ruta, deixando as coisas mais fáceis para o seu parceiro. Nós paramos as motos longe, pois como eles estavam nas vias de fato, pensamos que o macho ficaria muito irritado se interrompêssemos o seu momento.  Ficamos de longe filmando e esperando a cena de amor acabar, pois nós não brincamos mais com lhamas. Depois de algum tempo, como achamos que o negócio tinha acabado, fomos bem devagar em direção a eles que levantaram e cruzaram a ruta. Interessante eles terem escolhido aquela posição, pois ficou evidente que, mesmo para lhamas, na altitude poupar esforços vale a pena, até naquela hora... Aquela cena inusitada nos divertiu muito, pois desafiávamos uns aos outros a passar, mas ninguém o fez, claro.


Ops! Tem boi la linha, quer dizer Lhamas na ruta, fazendo amor!
Vai logo amor, tem gente olhando!
Tô de boa benzinho!
Ok, o amor acabou, agora podemos seguir
Nosso destino final naquele dia era Villazón, a cidade boliviana que faz divisa com a cidade de La Quiaca na Argentina, porém claro, que tínhamos os pontos de referência de percurso, sendo estes o povoado de Atocha e a cidade de Tupiza, tem que se dividir a coisa por partes, pois não adianta perguntar sobre algo distante na Bolívia, as pessoas conhecem sempre os povoados e cidades mais próximos, apenas.  Assim, nosso destino inicial era Atocha, que em teoria, ficava na metade do caminho para Tupiza.

No caminho há várias baixadas que são rios secos, mas um tinha um pouco de água, felizmente, já fizeram por aqui, como na Argentina, aquela baixada de concreto, assim as águas no caso de chuvas, passam por cima sem levar embora a estrada. Um alívio para minha mão cada vez que passava por um destes. Porém uns 30 km depois do início da estrada há um enorme areião, deve ter 1 km ou mais de extensão, ali a coisa ficou feia e jurei que iria cair, pois em um momento a frente da moto tentou ir para a esquerda, eu puxei o guidão e abri a perna direita fazendo um pêndulo para trazer a moto de volta para a direita. Foi por muito pouco que não caí ali, e continuei mantendo a aceleração da moto enquanto ela sambava de um lado para o outro. O resultado não foi um tombo, mas meu punho saiu detonado, a dor começou a subir pelo antebraço e irradiava até o ombro, que ótimo! Não me lembro se eu vi ou o Magá me avisou, mais minha garrafa de água escapou da amarração e ficou pendurada, eu olhei e vi que estava presa só pelo gargalo, mas decidi que não iria parar, assim ela foi pendurada por um bom trecho, mas ao contrário do que eu acreditava, não caiu.
Areiões sem fim!
Depois do areião, rodamos mais uns 20 km e passamos por uma minúscula vila, na realidade umas cinco casas de cada lado da ruta, eu parei próximo a uma venda, que estava fechada. Aliás, como de costume nos rincões dos Andes não se vê ninguém, mas ali havia umas duas ou três pessoas no lado esquerdo da ruta. Decidi que além de tomar água e prender a garrafa, já ia me livrar de uma garrafa PET de combustível, virando a gasolina no tanque, e ela coube inteira no tanque. Depois deixei a garrafa vazia em uma lixeira que havia na frente da venda, atrás da mesma e das casinhas, havia uma parede rochosa com uns 20 metros de altura, seu marrom claro contrastava com o céu azul turquesa, foi aí que vi uma senhora caminhando lá em cima ao longe por uma trilha.  Estávamos a 3800 m de altitude, e uns 150 m à frente depois da parada a ruta desce um pouco e cruza um rio, a paisagem começa a mudar com morros marrons à volta.


Primeira parada
Eu despejando gasolina no tanque, observem minha garrafa d'água pendurada

Depois a ruta sobe para um planalto e uns 2 km a frente está a bifurcação onde à direita segue a estrada que vai para San Vicente, que deve distar dali uns 100 km.  Quem se lembra do filme Butch Cassidy & Sundance Kid?  Pois bem, segundo a "história" real, foi lá em San Vicente que eles foram mortos e estão enterrados. No filme há aquele final romântico, onde os dois (representados por Robert Redford e Paul Newman) estão cercados, então depois de muitos tiros, decidem sair do esconderijo atirando, o filme termina aí, pois claro que não saíram vivos. Na história real, ninguém sabe se foi assim, pois há diferentes versões, mas o que de fato há lá em San Vicente é um túmulo, onde supostamente foram enterrados como desconhecidos, pois para a polícia boliviana eram apenas bandidos não identificados, que roubavam bancos, minas e trens. Não sabiam que eles eram procurados nos EUA, Argentina e Chile.  A Bolívia é linda, bruta e cheia de história. Tem gente que diz que não quer ir para lá, estão perdendo algo...

Ok, passamos direto pela bifurcação, e eu como sempre ia devagar atrás, porém quando eles paravam para fotografar eu continuava e ia no mesmo ritimo, assim eu não os atrapalhava, que podiam esticar e parar, enquanto eu ia como um caminhão velho, devagar e sempre. Neste trecho a estrada estava raspada no lado direito, o que formava uma vala, mais à frente encontramos a velha motoniveladora que fazia o serviço.
Passamos por ela e em um alto a estrada bifurcou sem nenhuma referência, nem placa, nem GPS, então por onde seguir?  Paramos e tentamos nos achar, então eu disse que iria um pouco pela linha reta à esquerda, para ver se achava algo, fui descendo bem devagar e vi uma ambulância, daquelas antigas tipo militar, como vinha no sentido oposto lhes fiz sinal para parar, foi aí que um homem e uma mulher me disseram que aquele era o caminho para uma mina, o caminho para Atocha era de volta lá em cima à esquerda, lhes agradeci e voltei sinalizando a todos que era pela direita deles, minha esquerda, pois eu voltava.




Dá pra ver a ambulância vindo longe à esquerda?


Mais adiante, areia, muita areia, que tortura, pois meu braço direito ardia e eu ia pilotando sem vontade, mais uns 10 km à frente chegamos ao povoado de Animas, por onde a ruta passa à direita da via férrea que se esconde atrás das casas que margeiam a ruta.  Em Animas nem paramos, mas uns 10 km à frente o cenário começou a mudar, formações rochosas magníficas surgiram em ambos os lados da ruta, o horizonte no sentido leste se abre em uma gigantesca quebrada, o cenário é deslumbrante. O altiplano se rompe ali em várias erosões milenares por onde se desce em curvas e mais curvas.


Olhem que cenário!
Além do visual, um pouco de chão firme, que beleza!
Tá feliz Andrezito!
Lá em baixo acompanha-se pela direita um largo quase seco rio, este é um trecho com muitas curvas, subidas e descidas, por entre montanhas de todas as cores, eu não sabia se prestava atenção na ruta ou na paisagem em torno. Na ruta, muitas pedras, e eu estava preocupado com a possibilidade de ter um pneu cortado, pois havia esta possibilidade. Num dado momento havia uma valeta com uma elevação maior do outro lado, quando passei, mesmo devagar, a roda traseira da Suzi deu um salto, e quando aterrissou achei que minha bagagem tinha caído toda, mas por sorte não. Pensei nos que vinham atrás, pois se aconteceu aquilo comigo devagar, imaginem andando mais rápido, mas não tive como parar, pois após aquilo, já se sai da curva em frente à um curso d'água profundo. Eu só tive tempo de desviar de uma pick-up branca que estava parada no único local onde dava para parar, então rapidamente escolhi o meio e acelerei saindo do outro lado do rio em uma forte subida em curva, onde também não dava para parar. Continuei até conseguir achar um local onde pude finalmente achar apoio e aí pude ver que eles vinham atrás de mim. De lá, dava para ver a ponte metálica do trem, longe embaixo à esquerda.  Quando seguimos em frente por uma subida muito forte e contínua, encontramos dois jipes carregados que se arrastavam na nossa frente, faziam fumaça com seus motores diesel dando tudo para conseguir subir, mas como a estrada é estreita e cheia de pedras soltas, tivemos que esperar um pouco até conseguirmos ultrapassá-los. Isto tudo, para a ruta depois nos fazer descer de forma abrupta em curvas fechadas caindo literalmente dentro de Atocha.


O cenário antes da descida para Atocha
Foi na descida que um velho ônibus ficou na minha frente, eles passaram mas na minha vez vinha um caminhão subindo no sentido contrário, me lembro de o motorista deste olhar para mim e fazer um sinal que não entendi, mas era algo como se eu tivesse me lascado! Para não dizer outra coisa. Não entendi, pois fui eu que optei por esperar ele passar, mas pelo jeito ele achou que eu tinha ficado preso, sei lá. Aliás foi a única vez que alguém fez um gesto destes nas duas vezes que estivemos na Bolívia.  Aí eu me lembrei que o guia lá no Uyuni, nos disse que esta ruta tem muitos caminhões trafegando à noite, justamente por causa do frio, pois durante o dia os motores dos caminhões fervem. Entendi agora vendo aquele velho caminhão se arrastar a uns 5 km/h naquela subida, acho que quem estava lascado era ele, eu por meu lado tava lascado mesmo com meu braço, mas isto ele não sabia...

Atocha, não é um lugar agradável, pelo menos não ali na entrada por onde a ruta passa. A pequena cidade está dentro de um vale, na realidade a sensação é de estar dentro de um buraco, há uma barragem que se vê ao longe no sentido sul. Não entramos na cidade, ficamos parados ali na entrada, onde há carros abandonados em meio a poças d'água sujas, um velho caminhão militar abandonado do outro lado na sombra do qual um porco procurava algo. Ao lado do velho caminhão havia um carro atolado, pois ali pelo jeito é o leito do rio, que é muito largo, mas como sempre, quase não tem água. O carro pelo jeito ia seguir por algum caminho dentro do curso, mas atolou logo na entrada, seus ocupantes, jovens, trabalhavam cavando para livrar as rodas. Havia bastante movimento de jipes e velhos ônibus, entrando e saindo. Sabe aquela ambulância que me indicou o caminho, pois bem, passou ali, seus ocupantes nos cumprimentaram e entraram na cidade por uma rua barrenta. Havia do outro lado da ruta, alguma coisa, como lixo, queimando, a fumaça me incomodava.
O André estava bastante animado naquele dia, meio eufórico até, e eu lhe disse que era porque estava usando o oxigênio em tubinhos que trouxe na viagem. Como ele imaginava que já estávamos descendo os Andes, e de fato estávamos, ele resolveu gastar o negócio. Eu lhe disse que ele estava pilotando meio rápido, pois achei que era efeito do oxigênio, mas ele me disse que estava andando dentro da condição normal, quem estava mal era eu, o que era verdade, tanto que ele me deu um pouco de oxigênio para respirar e, nossa! Que diferença, dá um alívio imediato!  Eu estava com dor de cabeça, isto me ajudou.


Eu no final da descida, chegando a Atocha
Já estavam todos lá!
Ônibus azuis, padrão Bolívia


Foi este ônibus aí que me segurou na descida
Além de motociclistas sujinhos, tem outros porquinhos na Bolívia
Atocha, fica em um vale, mas parece um buraco!
Deve ter chovido algum dia, há água empoçada para todo lado
Pelo menos por aqui, na beira da ruta, não é um lugar agradável


Dentro da cidade tem asfalto, mas não fomos lá conhecer

O cenário em volta
Olha aí o pessoal da ambulância que nos indicou o caminho muita lá atrás!
O André e o tubo de oxigênio, lá atrás o Mazda encalhado no leito do rio
Lá vão eles
Lá para cima outra mina e do outro lado uma barragem 
Magá o rei do Selfie!
Foto Zeca
Apareceu um grande caminhão Volvo, novo até, que de ré se posicionou para puxar o carro atolado.  Com aquela fumaça de diesel, resolvi não ficar mais por ali, então saí e fui devagar seguindo, cruzei a ponte de concreto e segui à direita, pois à esquerda havia a indicação de uma mina, algo assim.  Fui devagar, e novamente do outro lado era uma bruta subida, eu ia acompanhando as curvas e olhando para trás para ver se eles vinham, fiquei parado uns instantes, até que vi o Zeca vindo lá embaixo, então continuei e não demorou para eles me alcançarem e me passarem, pois eu ia mesmo devagar, a dor no braço era forte.

Atocha fica dentro de um buraco a 3600 m de altitude, saindo de lá, seja sentido leste ou oeste, a ruta sobe muito, no nosso caso, sentido leste, 30 km depois de Atocha, subiu até 4250 m de altitude. Bem lá no alto eles pararam, pois a vista ao longe é linda, então eu passei por eles e continuei, o que agora era uma longa e estreita descida, perigosa, pois fora do trilho central havia muita areia solta sobre um chão bem batido. O cenário mudou novamente, agora já aparecia um verde escasso, mas havia verde no horizonte.  O último vulcão boliviano que se vê viajando no sentido leste, é o Chorolque, que ficou a nossa esquerda, sendo ele o último vulcão visto na viagem, pois no lado leste da cordilheira dos Andes eles são raros, ao contrário do oeste, onde em profusão, parecem estar colados uns nos outros.

A subida após Atocha, sentido leste
Sobe e desce constante
Rumo ao ponto mais alto, antes de descer tudo de vez.
Foto para os amantes de XTs!
Lá para trás os últimos picos, incluindo o vulcão
F-800 no seu meio
Beleza André?
Enquanto eles pararam para estas fotos, eu fui devagar e sempre adiante

Agora sim, com um fundo decente!




Daquele ponto mais alto, são uns 35 km de descidas contínuas até o vale de Salo lá em baixo, que fica a 3260 m de altitude, então é uma descida de 1000 metros!  Foi aí que aproveitei para aliviar um pouco mais o meu braço, pois já vinha fazendo isto a cada pequena descida no caminho, quando podia soltar o acelerador e exercitar o braço no sentido contrário ao esforço normal.  Me lembro que peguei um velho ônibus azul pela frente, acho que todos os ônibus ali são azuis, e este descia a uns 10 km/h segurando no freio motor. Eu não conseguia ultrapassá-lo, pois ia bem no centro da estreita ruta, deixando só areia e cascalho nas laterais com opção para mim. Pacientemente, comendo poeira, esperei a oportunidade de passar, pois a qualquer momento poderia vir um veículo subindo, o que de fato aconteceu.  Então fiquei bem no meio firme da pista e deixei a Suzi descer só no motor, sem usar os freios, assim meu braço ficou um bom tempo descansando.  Lá embaixo, mas não muito, pois se está a 3200 m ainda, porém em um enorme vale onde vários rios secos se encontram em um maior, por isto há alguma, mas pouca umidade, formando uns bofedales. Há várias casinhas iguais lado a lado, todas do lado esquerdo da ruta, umas 20 delas, alinhadas a uns 10 metros de distância da ruta, com uma espécie de grama entre estas e algumas esparsas árvores. 

Foi à sombra de uma destas que parei a Suzi, havia uma plantação de algo que não identifiquei, atrás de um muro de adobe e pedras.
Fiquei por ali bastante tempo, a ponto de me preocupar com os três, que eu julgava, logo apareceriam. Me lembro que havia dois garotos que mexiam em uma moto pequena, eles me olhavam meio desconfiados, e depois de mexer aqui e ali, finalmente ela pegou e um deles foi embora no sentido leste.  Foi aí que me dei conta que meu relógio não estava no meu pulso, por isto juguei tê-lo perdido naquela descida toda, pois a vibração da moto era grande devido às calaminas. Lamentei, pois aquele relógio eu comprei quando fazia trilhas lá nos idos de 1993. Apalpei a blusa, mas ele não estava dentro da manga, lamentei, pois se havia caído ninguém iria fazer proveito, pois juguei que algum veículo já teria passado por cima.


As casinhas de Salo
Olhando para trás, a longa descida até ali.
Eu decidi que esperaria só mais um pouco e iria voltar, pois poderia ter acontecido de alguém ter se machucado naquela descida toda, mas não foi preciso, logo eles apareceram para meu alívio e já foram parando na sombra da árvore. Comentei que meu braço estava me matando, e foi aí que o Magá sacou dois remédios, não me lembro os nomes, mas eram um analgésico e um anti-inflamatório.  Me arrependi de não ter pedido antes a eles, pois o analgésico fez efeito muito rápido, bom viajar com médicos né?   Eu tirei a jaqueta e aí caiu de dentro da manga meu relógio, cujo pino da pulseira havia se soltado, então com cuidado o guardei no bolso da jaqueta, mas antes vi que já eram 13:30 h.  

Saindo da sombra da árvore, uns 600 m adiante a ruta cruza o rio por uma ponte de concreto, e a partir daí acompanha o vale do rio pelo seu lado esquerdo, e o cenário é deslumbrante, há formações rochosas que contrastam com o verde da quebrada formada pelo curso de água. Lembra muito fotos que vi do deserto do Arizona nos EUA, porém nossas fotos não captaram tudo o que vimos ali naquele pedaço da Bolívia.
Eu tinha quase certeza que era por ali que iríamos encontrar o túnel cavado manualmente na rocha, onde vários viajantes em moto fotografaram o local, pois o cenário era condizente e a ruta ainda em terra, quer dizer rípio e calaminas. Foi em uma das paradas para fotos que vimos que o retentor esquerdo da suspensão dianteira da moto do Magá havia estourado, o óleo da bengala, havia escorrido todo, molhando inclusive o disco de freio. Ele não havia percebido, mas pôde continuar sem problemas, inclusive porque com tanta poeira o óleo no disco já havia se dissipado. Nestas horas é que entendemos o quanto as DRs são fortes, pois as nossas, apesar da idade nunca haviam tido este tipo de problema, a 660 R do Magá é uns 10 anos mais nova que a Suzi, pelo menos.

Bem, não adianta tentar descrever aquele vale com palavras, apenas posso dizer que foram 25 km lindos e torturantes ao mesmo tempo, pois as calaminas faziam as motos vibrar a ponto de desmontar.

Lindo trecho próxima a Tupiza
Formações curiosas
Não parece, mas a ruta é pura calamina

O verde e o árido começam a disputar espaço


Mas este verde é devido à quebrada













Aí Magá







Foto Zeca
Foto Zeca
Magá e André (foto Zeca)
Linda foto do Zeca
Esta também
Há pouca água, mas o verde aproveita (foto Zeca)
Finalmente chegamos ao entroncamento com a ruta 14, que por ali é asfalto e vem lá do norte de Potosi, mas aí eu fiquei perdido, não pela ruta, mas cadê o túnel?  Se acabou o rípio, onde ele está?  Ah, então este asfalto é só engano, tem mais rípio pela frente, foi minha única conclusão.

Ali a gente nem sequer entrou na ruta 14 e já havia um soldado no lado direito e uma cancela, ele nos disse que tínhamos que ir do outro lado da ruta em uma casinha.  Ok, fomos lá e descobrimos que era um pedágio, pagamos e recebemos um ticket, que guardei pois ele disse para fazermos isso. 

Rodamos 1 km pelo asfalto e já estávamos em Tupiza, e como estávamos com fome, acabamos saindo à direita e entrando sem saber em um bairro, descemos por uma rua com árvores e casas muito simples, eu vi um "comedor' mas o pessoal continuou em frente. Acabamos em uma obra na beira do leito do rio, foi aí que um motociclista, pelo jeito era entregador, passou por nós e o André perguntou algo para ele. Ele fez sinal para seguirmos, então fomos atrás dele, que passou pelo lado de um monte de terra na obra, depois de algumas ruas, cruzamos uma estreita ponte, que mais parecia uma passarela e saímos do outro lado do rio, e aí sim no centro da cidade. Não sei a rua, só sei que depois de virar aqui e ali, nos deixou na frente de um restaurante bem simples, um boteco mesmo, em uma esquina.

Agradecemos e tratamos de estacionar as motos, ao sol mesmo, pois tentamos parar antes em uma sombra, mas um senhor saiu de uma loja e disse que não podíamos parar ali, não sei porquê. Bem, paramos em frente ao boteco, pelo menos dava para vermos as motos.

No boteco em Tupiza, enquanto o André espera, eu assisto clipes bolivianos

As motos na frente do boteco em Tupiza (foto Zeca)
Fomos atendidos por dois garotos, que rapidamente foram nos informando o que havia, e havia carne de porco e algo mais, apenas.  Ok, vamos nesta, fazer o quê.   Em uma outra mesa estava um senhor, almoçando, quer dizer tentando, pois estava bebaço.   Eu fui ao banheiro lá nos fundos, e vi que a casa deles era nos fundos do restaurante, a comida pelo jeito vinha de lá.  Havia uma TV onde passava de um DVD uns clipes de grupos bolivianos.  É muito engraçado, pois todos se vestem com roupas coloridas e dançam do mesmo jeito, imaginem o cúmulo do brega... é pouco!  Tudo muito amador, gravações em locais estranhos, tipo nada a ver com a música. Passou apenas um clipe de um cantor muito jovem, este sim, esquema profissional, de gravadora, deve ser o melhor da Bolívia.  Eu me divertia vendo aquilo, pois a comida estava demorando, provavelmente devido ao horário, pois entendi que havia acabado, estavam preparando mais.  Não vou dizer que a comida estava boa, pois não estava, a carne era muito gordurosa, mas devido à fome, comi o que deu.  Uma pena, pois os dois garotos esforçavam-se por nos agradar, tanto que na hora de irmos embora o mais novo me deu de presente um DVD com clipes bolivianos, ok, agradeci muito...

Estou contando algum "causo" (foto Zeca)
Não sei porque, ninguém experimentou este molho (foto Zeca)
Dá lhe coca-cola pra ajudar (foto Zeca)
Demos umas cabeçadas para sair dali, me lembro que vimos um trem cruzando pela linha que margeia o rio, até que conseguimos achar uma ponte que nos levou para o outro lado do rio, de volta à ruta e por sorte, bem de frente a um posto de gasolina.

Lá, apenas uma menina fazia o atendimento e claro que havia movimento e demorou para abastecermos, enquanto isto me lembro que havia um 4x4 velho na fila para abastecer, no teto deste e dentro, muitas bagagens e além do motorista, havia alguns jovens que nos olhavam admirados, principalmente duas meninas, para as quais o Magá ficou se exibindo, elas tentavam não demonstrar, mas olhavam sim!

Voltamos à ruta e logo tivemos que parar, pois havia outro controle daqueles, porém neste como vínhamos do norte, nos pediram os tickets, claro que o Magá havia jogado o dele fora!   Então fomos lá pagar outro, pois só assim ele poderia passar. No lado de lá da ruta, três motos encostaram, uma Vstrom amarela, uma XT 660 e a outra não me lembro, acho que uma G 650 GS, eram brasileiros e estavam indo para o Uyuni.

Me lembro que eles arregalaram os olhos e ficaram com ar de procupados quando lhes dissemos que estávamos vindo de lá, que havíamos saído de manhã cedo.  Olhavam para nós e para as motos, pois estávamos em petição de miséria de tão sujos. Lhes dissemos que a estrada era perigosa, que deviam ter cuidado, foi aí que eu pensei na Vstrom, mas o piloto era alto, mesmo assim, iria sofrer um bocado, pensei.
Eles nos disseram que já haviam lhes dito para dormirem em Tupiza e só seguir no dia seguinte, concordamos que era o melhor a fazer, pois já eram umas 15:30 h, e nós só tínhamos feito os 220 km até ali!

Lhes desejamos boa sorte, mas vimos que ficaram preocupados, espero que tenham chegado bem.

Rodamos mais um pouco, uns 10 km, quando eu julgava que haveria mais rípio pela frente eis que surge o tal túnel!   Ah, mas ninguém conta a verdade  não é?  O esquema é o seguinte, a ruta 14 é asfalto até Villazón, claro que nem sempre foi assim, então existem dois túneis, o novo de concreto e largo, onde a ruta asfaltada passa e na lateral direita o antigo, estreito e cavado a mão na rocha.  Se você sair da ruta e passar por trás de um guard-rail, entra nele, mas claro que se fotografar dali, parece que este é o único túnel, pois não dá para ver o novo.

Entrada do túnel (foto Zeca)
Fazendo a foto assim, não se vê o túnel novo encostado à esquerda!

O André 
À esquerda o rio
Uma das "janelas"

O Magá
O Zeca
André
Zeca
Observem o guard-rail lá atrás!

Eu
Agora sim, dá pra ver o rio na foto do Magá
A saída sudeste
De qualquer maneira é lindo, dentro dele há duas aberturas laterais que formam janelas pelas quais se vê o rio passando ao lado.   Este túnel (o antigo) chama-se Angostura, foi construído em 1984, escavado na picareta.  Ele existe na beira do rio de Tupiza, que ali tem água, pois recebe esta de vários afluentes, incluindo o San Juan de Oro e passa rente a uma montanha rochosa que se chama Yurcuma, que termina abruptamente na beira do rio, Chajra Huasi, que é nome do rio de Tupiza. Então, antes de 1984, só existiam duas opções para passar por ali, escalar a montanha ou descer para dentro do rio. Agora existem os túneis. Claro que tiramos muitas fotos, com idas e vindas lá dentro, o que só não demorou menos, porque o pessoal de um carro nos viu entrar, então parou lá na entrada e os dois casais de jovens resolveram passear à pé por dentro do túnel.  Ok, agora temos nossas fotos, e também o segredo revelado!

O Magá
Eu
O Zeca
O André
Fizemos muitas fotos, indo e voltando hora pelo túnel novo, hora pelo antigo 
Dá pra perceber a sujeira em que estávamos, isto assustou o pessoal que subia para o Uyuni
Vista geral da saída (foto Zeca)
Eis aí o segredo revelado!  o Túnel novo e o antigo (foto Zeca)
Após o túnel, não havia mais sol, isto porque a tarde avançava e estávamos passando por entre altas montanhas que já faziam sombra. Paramos mais uma vez, não me lembro o porque, depois aí sim, seguimos direto para Villazón.  Após o túnel a estrada está entre 2800 e 2900 m de altitude, vai serpenteando belas bordas das montanhas e diversos povoados e habitações às margens da ruta.  Uns 40 km após o túnel, a ruta está novamente a uma altitude de 3500 m, por isto o sol do fim da tarde voltou a nos iluminar naquele planalto, com suaves subidas e descidas, porém nem a minha moto, nem a do André, passavam dos 90 km/h. Me lembro que o Zeca e o Magá sumiram lá na frente, enquanto nós dois íamos com as motos sofrendo, claro que logo entendemos que foi a gasolina do último abastecimento, pois as motos do Magá e do Zeca, sofreram menos por serem com injeção eletrônica, mas eles também reportaram mudança de consumo.  Faltavam apenas mais 40 km até Villazón, na qual chegamos com um fraco, mas bonito sol de fim de tarde. Como havia um posto na entrada, fomos logo para lá, para descobrir que não havia combustível.  O André queria a todo custo queimar os últimos bolivianos que tinha em óleo para o motor da moto, pois com aquele rendimento pífio após o último abastecimento, o óleo da moto dele havia baixado bem.  Na rua asfaltada, mas coberta de poeira que vai em direção ao centro, vimos uma loja de motos no lado esquerdo, paramos. A mesma estava fechada, mas havia uma casa anexa, com uma pickup nova parada na frente, então decidimos chamar, não custava tentar!  Uma jovem bem bonita, de cabelos negros longos e olhos verdes, ou azuis?  Sei lá! Nos atendeu e junto com um menino, que julgamos ser seu filho, abriu a loja. Bingo! havia óleo Motul 3000, e estava tão barato que até eu comprei, acabamos com o estoque da loja.

A ruta 14 após o túnel Angostura, sentido sudeste

Não me lembro porque paramos aqui



Felizes por termos gasto quase todos os últimos bolivianos em óleo, seguimos em frente e depois de virarmos à esquerda, chegamos à ponte de divisa entre a Bolívia e a Argentina. Aí descobrimos que tanto a aduana como imigração bolivianas ficavam do lado de lá da ponte. Mas havia um ônibus lá, por isto uma fila enorme, que nos forçou a paramos as motos e nos revezamos dois a dois na fila, o Magá e eu fomos primeiro, até que descobrimos que a saída da Bolívia era do lado esquerdo, fora da fila, pois aquela era a fila para entrar na Argentina, paulistanos são assim mesmo, primeiro pegam a fila, só depois é que perguntam pra que serve!  Então fomos, lá, onde depois de perguntar aqui e ali, achamos o guichê de saída da Bolívia, depois a aduana boliviana, que nem quis ver as motos. Voltamos então para as motos enquanto o André e o Zeca foram fazer a saída da Bolívia. Como eu estava doido para fazer um xixi, descobri uma árvore atrás do prédio e era o acesso para uma passarela que estava fechada. Lá de cima dá para ver o buraco lá embaixo que faz a divisa entre os dois países, pois é um leito de rio seco, do outro lado está também a ponte da linha férrea.

Adeus Bolívia!  Até a próxima!

Villazón (Bolivia)
Do outro lado da ponte, já em La Quiaca Argentina
Voltei para a fila, e observei que muitos pedestres cruzam a fronteira livremente, para lá e para cá, só nós com veículos, incluindo os passageiros dos ônibus é que estão ali na espera. Sabe aquela moça lá da loja de motos?  Passou por nós caminhando rumo ao lado argentino e depois voltou, na volta o menino dela nos viu e sorriu, demos tchau para ele que foi andando e olhando para trás, ele deveria ter uns 9 anos de idade.

Na fila havia muita gente simples, uns poucos turistas mochileiros, até que o André e o Zeca voltaram, então pudemos seguir e finalmente conseguimos a nossa re-entrada na Argentina, porém esperamos o Zeca e o André, para fazermos a aduana todos juntos. Fomos orientados a parar as motos na frente do ônibus, e foi aí que vimos o esquema, pois havia uma van branca, com porta de correr dos dois lados, lá dentro um equipamento de raio-X, por onde todos os passageiros e transeuntes com malas, tinham que entregá-las a um jovem que as colocava no equipamento, saindo a mala do outro lado onde ou o passageiro a pegava ou uma menina pedia para abrir para averiguação. Foi aí que um fiscal veio até nós e foi perguntando o que havia nas nossas bagagens, mostrei óleo e ferramentas nas bolsas laterais, mas quando achamos que estávamos liberados ele apontou para a moto do André e do Magá e pediu para passarem toda a bagagem pelo raio-X!   Entendi que era porque eram as mais volumosas, adivinha a cara felicidade dos dois!
Já era noite, quando isto aconteceu, e demorou um pouco, mas eu disse que teria sido pior se fosse a minha bagagem. Finalmente liberados, mas com ambos espumando, entramos em La Quiaca, adeus Bolívia!

Uns 500m à frente, pela Av. Internacional, chegamos após passarmos sob uma ponte dupla, em uma esquina onde havia um posto de gasolina. Juro que não me lembro mais, se abastecemos ou não, mas acho que sim, e saímos dali pela Calle Bustamante, que passa sobre a linha do trem e termina na praça Sarmiento, por onde circulamos uma duas vezes, até que vimos um hotel. O André foi lá perguntar, mas não havia estacionamento para as motos.  Aí acho que o Magá pelo celular ou GPS, começou a procurar algo, e havia várias opções, mas batemos muita cabeça até acharmos o hotel, pois encontramos outro pequeno e ajeitado, mas ninguém veio na recepção nos atender. Saímos nervosos, pois o cansaço aliado ao calor já tinha minado nossas forças.  Acabamos encontrando o Hotel de Turismo, cuja fachada é bem imponente para os padrões daquela região.

Hotel de Turismo em La Quiaca - Argentina
O André foi lá ver e o preço não era barato, mas depois de considerarmos que também não era caro, dadas as circunstâncias, resolvemos ficar por lá, eu agradeci, pois já tinha passado do meu limite de cansaço, pois já eram umas 9 horas da noite! Havíamos gasto 12 horas ou mais para fazermos 300 km!  O hotel tinha estacionamento fechado e coberto, e lá dentro já havia três BMW GS 1200, todas equipadas com acessórios da Touratech e com placas do Kwait!

Paramos nossas pequenas motos, mais próximo da entrada, onde havia umas ferramentas de construção e um gatinho preto e branco.  Os proprietários das GS estavam por ali e conversaram com o Zeca, que estava animado!   Eu por meu lado não, então levar as malas para o quarto foi a última tortura do dia, mas após um banho, finalmente nos reunimos no restaurante do hotel para um digno jantar que foi servido por um garçom.  Mesmo com medo de passar mal, pois ainda estávamos a 3500 m de altitude, caprichamos na comida e na bebida também.
Que bom, um hotel com conforto, restaurante e tudo, era só do que precisávamos, e claro, mais gente por ali também, pois o hotel tinha movimento.

Fim de um longo dia mesmo. Me lembro que no planejamento da viagem, fui questionado de porque fazermos em dois dias o trecho de Uyuni até Humahuaca, onde passaríamos o ano novo, sendo que para Humahuaca eram só mais 160 km à frente. Bem, a resposta está aí, pois além do terreno bruto que sabíamos teríamos por uns 200 km, havia também a saída da Bolivia, que nem sempre é fácil, depois a entrada na Argentina, tudo isto lá no fim do mundo, pois aquela ponte de divisa, é o fim da ruta 9, aquela que começa lá em Buenos Aires a 1800 km distante dali, e pela qual havíamos passado a  muitos dias antes lá em Salta, também já muito longe da capital.

Um comentário:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=P1yT3Mrzr58

    só para colocar o filme das lhamas!

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